sábado, 7 de abril de 2012

Livro literário de Português - 19/04/2012


O Cidadão de Papel
Gilberto Dimenstein

Este livro constitui uma surpresa agradável para a juventude. Muito raramente um autor se dirige de maneira adequada aos jovens para se comunicar na linguagem deles, sobre assuntos sérios que afetam seus direitos.
Gilberto Dimenstein é um jornalista e autor sinceramente preocupado com os problemas da infância e da juventude de seu país. Acredita, ao contrário de muitos outros, nas soluções oferecidas pela nova geração para os problemas que o Brasil está enfrentando. E para que os jovens possam participar das soluções, devem entender os (muitas vezes bastante complexos) processos econômicos, políticos e sociais.
Gilberto teve a genial ideia e a genuína preocupação de tornar possível a participação prá valer da juventude. A UNICEF aplaude este esforço louvável e defende a maior divulgação do livro entre os jovens, seus pais e os verdadeiros estadistas desta Nação.

Agop Kayayan
Representante da Unicef no Brasil.



Apresentação

A verdadeira democracia, aquela que implica o total respeito aos Direitos Humanos, está ainda bastante longe no Brasil. Ela existe apenas no papel. O cidadão brasileiro na realidade usufrui de uma cidadania aparente, uma cidadania de papel. Existem em nosso país milhões de cidadãos de papel.
Desvendar as engrenagens que produzem este tipo de cidadania, eis o objetivo deste livro. Essas engrenagens estão diante dos nossos olhos. Convivem com nosso dia-a-dia. Nós fazemos parte delas. Nós as produzimos. Todos os cidadãos têm mais ou menos responsabilidade na produção de violência, de desemprego, do êxodo rural que incha as cidades, do analfabetismo, da mortalidade infantil.
Gilberto Dimenstein vem expondo esta realidade há um certo tempo. Neste livro ele dá mais um passo no aprofundamento do tema. Sua preocupação não se restringe a denunciar os casos mais graves de desrespeito aos Direitos Humanos. Vai bem mais além, mostrando justamente que, caso não sejam enfrentadas suas causas mais profundas, nossa cidadania não passará de uma cidadania de papel.
Este livro poderá ganhar uma força extraordinária nas mãos dos jovens que o utilizarem para estudo e reflexão. Com ele poderão contribuir para mudar radicalmente o conceito de cidadania que vigora em nosso país.

Os editores



Prefácio

Este livro começou a surgir quando vi uma cena estranha: 1400 pés de adolescentes no ar. Foi em 1991, na primeira vez em que fiz uma palestra para jovens. Até aquele dia, costumava falar para pessoas com curso superior, interessadas em ouvir um relato jornalístico sobre a violência contra a criança carente.
Era em uma escola de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, onde fui lançar o livro A guerra dos meninos. Eu estava preocupado. O pessoal podia começar a bocejar, achando que o assunto era muito chato. E não sabia se ia conseguir falar de um jeito que todo mundo entendesse.
Fiquei mais preocupado ainda quando cheguei ao ginásio de esportes lotado de gente. Eram setecentos garotos e garotas. Pensei que ia falar para uma classe de umas cinquenta pessoas. Subi num pequeno palanque onde colocaram o microfone e uma mesa. Olhei para aqueles rostos intrigados e me deu branco.
Não sabia por onde começar nem o que falar. Mesmo sem ter sede, tomei um copo de água devagarinho. Era para ganhar alguns preciosos segundos. Por sorte, eu estava segurando um jornal, que trazia na primeira pagina uma notícia sobre gangues de adolescentes em São Paulo.
Eles atacavam estudantes só para levar um tênis. Machucavam e até matavam para roubar. Por causa dessas gangues, tinha gente indo armada para a escola. Um jovem contava que nunca mais usou um tênis novo, de medo. Foi então que tive uma ideia salvadora.
Pedi para todo mundo levantar os pés. Não entenderam e pedi de novo. Obedeceram, rindo e fazendo caras de espanto. Pedi para abaixar os pés. Eles ficaram olhando para mim como se eu fosse doido. Esperei alguns segundos e disse que tinha acabado de ver setecentos motivos para eles serem vítimas de violência. Cada par de tênis era um motivo. E contei o que tinha lido no jornal. Todo mundo ficou em silêncio.
Na palestra, fiz de tudo para que entendessem o que leva um menino a roubar um tênis. E pedi para que se colocassem no lugar do ladrão. O pessoal parecia disposto a pensar no assunto.
Como todo mundo ficou quieto e prestando atenção, percebi que aqueles jovens estavam preocupados com a violência nas grandes cidades. Vi que a falta de informação e reflexão poderia levá-los a uma postura perigosa: o uso de mais violência.
Em janeiro de 1992, o Datafolha, instituto que revela as tendências de opinião pública, fez uma pesquisa sobre esse perigo. Entrevistou um grupo de adolescentes que foi ao Hollywood Rock. A maioria era a favor da pena de morte. Isso revela mais um desejo de vingança do que de justiça.
Este livro pretende mostrar, passo a passo, como funciona o motor de uma sociedade que produz crianças de rua. É uma viagem pelas engrenagens do colapso social, onde a infância é a maior vítima e a violência, uma consequência natural.
A descoberta das engrenagens é a descoberta do desemprego, da falta de escola, da inflação, da migração, da desnutrição, do desrespeito sistemático aos direitos humanos. Com essa comparação, vamos observar como é a cidadania brasileira, que é garantida nos papéis, mas não existe de verdade. É a cidadania de papel.
Estou convencido de que a infância, frágil como um papel, é o mais perfeito indicador do desenvolvimento de uma nação. Revela melhor a realidade do que o ritmo de crescimento econômico ou renda per capita, A criança é o elo mais fraco e exposto da cadeia social. Se um país é uma árvore, a criança é um fruto. E está para o progresso social e econômico como a semente para a plantação. Nenhuma nação conseguiu progredir sem investir na educação, o que significa investir na infância. Por um motivo bem simples: ninguém planta nada se não tiver uma semente.
A viagem pelo conhecimento da infância é a viagem pelas profundezas de uma nação. Isto porque árvores doentes não dão bons frutos.
Não quis produzir um trabalho pessimista que faça as pessoas perderem a confiança no próximo. Procurei mostrar avanços dentro e fora do país. Dou exemplos de planos bem-sucedidos que melhoraram a vida de milhões de pessoas.
Ao percorrer o caminho de volta — do fruto à árvore —, fui puxado por outro desafio, provocado pela minha formação jornalística: ajudar também a formar leitores.
Nem todo mundo consegue entender o que está escrito nos jornais. Sua linguagem está cheia de conceitos como inflação, estagflação, dívida social, imposto progressivo, sonegação, PIB, crescimento populacional, renda per capita, CPI, Procuradoria-Geral da República, Estado de Direito Democrático, entre muitos outros. Sem entender o que significam essas palavras, impossível saber o que é cidadania.
Quando não entende o que está lendo, qualquer pessoa perde o interesse e pára de ler. Raramente os jornais falam claro e explicam as coisas como deveriam. Se isso acontecesse, mais gente leria as notícias e teria maior consciência dos seus deveres e direitos.
O principal objetivo deste livro é fazer com que você comece a entender que a situação da infância é um fiel espelho de nosso estágio de desenvolvimento econômico, político e social. E os problemas não são isolados: existe uma rede ligando o assassinato de crianças, a violência nas ruas, a crise do ensino superior e o mercado de trabalho. Esse mercado vem criando legiões de médicos, advogados, arquitetos e engenheiros frustrados porque não conseguem exercer sua profissão.
Sem falar nos que exerce, mas estão descontentes porque ganham pouco.
Para saber como isso tudo funciona, você precisa conhecer bem o significado de expressões e conceitos complicados que aparecem todos os dias nos jornais. E o melhor jeito de entender tudo isso é comparando com coisas que fazem parte do universo do leitor, do seu dia-a-dia.
Com este livro, quero fazer um alerta: todo mundo está começando a achar que violência é coisa normal. Isto porque os noticiários falam muito em crimes e eles acontecem a toda hora. Então, as pessoas se esquecem dos verdadeiros princípios básicos da cidadania e da democracia. E uma sociedade só consegue viver dentro desses princípios quando seus problemas são resolvidos sem violência.

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